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[SPOILERS] “People know something has to be done. The world is frakked, it’s upside down and someone has to turn it right side up. Are you that man?”
Desespero e intrigas políticas. Yep, “Battlestar Galactica” está definitivamente de volta aos bons velhos tempos. Mesmo sendo um episódio indiscutivelmente mais fraco que o espantoso “Sometimes a Great Notion”, a estreia de Ronald D. Moore na direcção deste décimo segundo episódio da quarta temporada é interessante. Recheado de momentos introspectivos depois das revelações com que fomos surpreendidos na semana passada, “A Disquiet Follows My Soul” apresenta-nos a calma antes da tempestade que promete vir a assolar a vida de todos os sobreviventes.
Desde o início, a fricção entre as forças políticas e militares, entre os dois lados do poder, marcou presença nesta série na pessoa dos dois líderes máximos – Laura Roslin (Mary McDonnell) e William Adama (Edward James Olmos). Das discussões sobre tecnologia antes da queda das Colónias ao primeiro acordo no final da mini-série, do medir de forças no dia-a-dia até à lei marcial, do reencontro em Kobol à união contra as ameaças externas, o conflito entre estes dois poderes evoluiu à medida que a relação entre os dois protagonistas se foi modificando. Mas se, de início, Adama e Roslin iam servindo como consciência moral um do outro, agora, na recta final, mostram-se incapazes de o fazer. Os dois líderes, aqueles em quem todos se apoiavam, estão no final das suas forças, desistiram de lutar, e resignam-se aos seus respectivos destinos, resolvendo aproveitar o pouco tempo que ainda lhes resta para serem felizes.
O desespero a que Roslin sucumbiu no episódio anterior leva-a a desistir de lutar contra a doença, a recusar-se a tomar a medicação e a seguir o plano de tratamentos prescrito pelo seu médico. As consequências não se fazem esperar: a euforia provocada pela diminuição da toxicidade no seu corpo fazem-na deixar de lado as decisões sobre os destinos da frota, entregando, de mão beijada, a presidência a Zarek. Não podemos criticar a escolha de Roslin nesta fase da sua vida: por muito que deva ser forte, por muito que sejamos obrigados a reconhecer que, ao desistir do tratamento, Roslin está apenas a escolher uma forma mais lenta de suicídio do que Dee no episódio anterior, não há dúvida de que já merece algum conforto depois de tudo aquilo por que passou, e a relação que finalmente é consumada com Adama não deixa de ser um dos momentos mais aguardados da série pelos shippers por esse mundo fora. Infelizmente, a felicidade tem tendência a preceder a tragédia nesta série, e os sorrisos com que os dois nos deixam no final do episódio não auguram nada de bom para uma relação que, segundo a mitologia que rege a série, está condenada desde o início. Resta saber se o “líder moribundo” de que falam as Escrituras é mesmo a Roslin, como acreditámos desde o início, ou se o cansaço que Adama revela nos últimos tempos não poderá vir a pregar-nos alguma surpresa.
Quanto a Adama, parece que a resolução tomada no final de “Sometimes a Great Notion”, o discurso motivador que mais uma vez se viu obrigado a proferir para a frota, não conseguiu convencer o próprio. Adama é um militar, apoia-se nas regras, depende das suas rotinas, mas tudo aquilo por que passou ao longo dos últimos três anos está finalmente a deitá-lo abaixo. O desespero que o levou a tentar o “suicídio assistido” parece, à primeira vista, ter desaparecido, e a tentativa de repor a ordem na frota revela-se tanto na forma decidida como ordena o ataque à refinaria, como no apanhar do lixo que invade o chão da Galactica, mas o cansaço provocado pelos últimos eventos evidencia-se nos seus olhos, nos seus gestos, nos comprimidos e no álcool consumidos cada vez com menos moderação…. e também nas decisões controversas que toma.
A ideia de Adama, de aceitar a oferta dos cylons, uma contradição clara com aquilo que sempre marcou esta personagem, é um dos momentos de maior surpresa do episódio. A veemência com que negou qualquer utilização de tecnologia moderna no início desta viagem, como recusou sequer a ligação em rede de simples computadores da nave para melhorar as suas funções, desaparece num ápice com a sugestão inacreditável de integrar a tecnologia dos cylons nas naves da frota, de forma a aumentar o alcance dos saltos. Neste pequeno momento, vemos uma personagem que perdeu o seu caminho, que está cansado do seu trabalho, e que apenas quer seguir em frente e descansar. Tal como no caso de Roslin, não podemos culpar Adama por este sentimento tão humano, mas também não podemos deixar de admitir que as duras palavras de Zarek soam cada vez mais verdadeiras.
Do lado de cá da televisão, assistimos ao desenrolar dos dramas, às lutas de poder, à evolução de ambas as sociedades – humana e cylon; vimos humanos a ajudar cylons, e cylons a traírem a sua raça para salvarem humanos. Nunca saberemos, com certeza, qual a razão que levou os cylons a aniquilar a humanidade, qual a razão do ódio que levou não a uma, mas a duas guerras devastadoras, tal como nunca saberemos de que forma contribuíram os humanos para a primeira revolta. Tudo isto sabemos do lado de cá. A frota, pelo contrário, aqueles pouco mais de trinta e nove mil refugiados que há três anos vivem nas naves, nunca teve acesso a nenhuma destas descobertas. Não é por isso, de estranhar, que a decisão unilateral de Adama, de colocar tecnologia estranha nas naves, com a ajuda dos modelos humanóides, caia que nem uma bomba entre estes refugiados. Como esquecer a morte de 50 mil milhões de pessoas, o genocídio de uma raça? Será mesmo possível pôr de lado toda a raiva e trabalhar em conjunto? As palavras de Lee em “Revelations” podem ser muito bonitas, mas se a integração de Athena (Grace Park) na Galactica foi tão difícil, será mesmo concebível querer impingir esta aliança a toda a população?
“You know what the difference is between you and I, admiral? You wear that uniform, and I don’t.” Gostemos ou não da personagem e do actor que a encarna, não há dúvida que, nesta recta final, é mais uma vez Tom Zarek (Richard Hatch) o único que consegue ver a realidade. Graças ao seu passado obscuro, as advertências de Zarek ao longo das temporadas têm sido totalmente ignoradas por quem está no poder. Zarek tentou, para o bem e para o mal, lidar com quem colaborou com os cylons em New Caprica, e advertiu a presidente de que o julgamento público de Baltar poderia vir a dividir a frota. De ambas as vezes foi totalmente ignorado. De ambas as vezes se provou que tinha razão. E agora que a crise está instalada, mais uma vez as suas palavras verdadeiras são ignoradas.
Adama e Roslin já desistiram de lutar, Lee (Jamie Bamber), que Zarek, a tanto custo, tentou recrutar desde “Bastille Day”, cuja aliança no Quórum julgou conseguir, usurpou o seu lugar de direito em “Sine Qua Non”, e regressa ao lado do pai nesta nova crise. Os líderes da frota estão a viver um sonho, recusam-se a reconhecer a realidade, a cumprir o seu papel e a acatar os ditames da lei. Para Zarek, este é o ponto de viragem. O primeiro passo, virar o Quórum contra a presidência ausente, contra Adama, não se fez esperar, e embora não tenha vingado, lançou as sementes da revolta que irão certamente trazer graves repercussões nos próximos tempos. A guerra civil avizinha-se. E no seu comando, estará, nada mais, nada menos, do que Felix Gaeta (Alessandro Julianni).
A evolução de Gaeta, a sua caída na espiral de fúria que o faz aliar-se a Zarek, já foi devidamente debatida nas críticas aos webisódios “The Face Of The Enemy” que precederam esta segunda fase da última temporada. Em retrospectiva, conseguimos perceber melhor o seu estado de espírito – não só se desvaneceram todas as últimas ilusões com a descoberta da Terra devastada, como ainda por cima acabou de perder uma das suas maiores confidentes. A sua revolta é evidente no desrespeito com que trata os seus oficiais superiores, mas especialmente nos insultos a Starbuck (Katee Sackhoff) na sala dos oficiais. O Gaeta que vemos aqui é um homem no limite da sua paciência, que sempre tentou fazer o bem, respeitar tudo e todos e que, no final, foi injustiçado. Talvez por isso, os insultos que troca com Starbuck naquela que é, provavelmente, a melhor cena de todo o episódio, tenham tanto impacto, e nos transportem para a situação reversa a que assistimos em “Collaborators”, na terceira temporada. Nessa altura, foi Starbuck quem se aproveitou do desespero de Gaeta, mas agora é este quem se vinga no momento de maior incerteza de Kara. No entanto, por muito que seja interessante descobrir esta outra faceta de uma personagem que há muito julgámos conhecer, há, no entanto, algo que é impossível de ignorar: mesmo com todas as desilusões por que passou, Gaeta continua a ser, talvez, a única personagem a acreditar em ideais. A sua aposta em Zarek, mais do que uma mera vingança por tudo aquilo que sofreu, é uma tentativa (mais uma) de tentar restabelecer a ordem num mundo mergulhado em caos. É possível destruir os sonhos de Gaeta, mas é mais difícil destruir as suas ilusões de um mundo mais justo, melhor. O que irá acontecer quando também esta sua ilusão se desvanecer, quando verificar que, por muito que Zarek fale contra Adama e Roslin, também ele não tem mais do que uma ilusão do futuro, é algo que certamente iremos ainda descobrir.
Mas porque as ilusões não são paradigma apenas dos humanos, também do lado dos cylons assistimos a momentos que poderão vir a determinar todo o futuro desta raça.
“The first member of our family will be with us soon, Gaius. It’s time to make your choice… Come, see the face of the shape of things to come.” Um dos momentos mais determinantes desta série revelou-se em “Kobol’s Last Gleaming, part II”, na belíssima cena na Casa da Ópera, quando Baltar descobriu o berço com a pequena Hera. A partir desse momento, a mitologia da série ganhou toda uma nova dimensão. O papel do primeiro híbrido humano/cylon – Hera – é um dos mistérios mais bem guardados da série, e um dos que mais voltas nos tem dado à cabeça, especialmente quando a revelação de quatro dos cinco Final Five destruiu por completo esta ilusão e nos apresentou mais um híbrido – Nicky, o filho de Cally (Nicki Clyne) e de Tyrol (Aaron Douglas). Esta descoberta, no entanto, trazia consigo alguns problemas – o destino especial reservado para Hera teria de ser partilhado com Nicky. O que fazer, então? É simples: denegrir, mais uma vez, a pobre da Cally, fazendo com que Nicky seja filho não de Tyrol, mas do secundário Hot Dog (Bodie Olmos).
Embora seja comum na maior parte das séries, não ter uma história delineada até ao final resulta em momentos como este, em que sabemos perfeitamente que uma solução de última hora para um problema está a ser arranjada. Não convence ninguém, certamente, mas desta vez damos-lhes um desconto: a história não só nos traz de volta ao ecrã o grande Dr. Cottle (Donnelly Rhodes), como também impulsiona uma evolução para a personagem de Tyrol. Provavelmente o Final Five que pior reagiu ao descobrir a sua verdadeira natureza, Tyrol parece estar a aceitar melhor a sua condição desde o flashback na Terra, e agora que a sua última ligação à humanidade (o filho) desapareceu, poderá vir a aceitar em pleno a sua natureza. A confusão dos pronomes não o impossibilita de saber, no entanto, muito bem aquilo que quer. Os cylons (e, por extensão, os Final Five), estão dispostos a ajudar, mas para isso querem ser considerados parte da frota, com todas as regalias que essa condição acarreta. Por muito que os cylons tenham estudado os humanos, os seus usos e costumes, não há dúvida que a decisão de quererem fazer parte da frota partiu de Tyrol, que conhece Adama e sabe que este irá respeitar o seu maior voto com todas as suas forças: proteger a frota, custe o que custar, e não a abandonar, mesmo que isso implique perdê-la. Um momento muito interessante, e que certamente irá ter continuação no próximo episódio, curiosamente intitulado “The Oath”.
Reestabelecida a mitologia, o que dizer então do rebento de Caprica Six (Tricia Helfer) e Tigh (Michael Hogan)? Pessoalmente, a única palavra que me vem à cabeça é “ewwwww!”. Infelizmente, os argumentistas não parecem ser da mesma opinião, e o destino do pequeno já está traçado: o primeiro feto cem por cento cylon representa o futuro desta raça, um futuro para lá dos downloads, agora que o The Hub foi destruído. Isso, é claro, pressupondo que consiga nascer. É que entre os humanos revoltosos que estão a planear a guerra civil e a fúria de Ellen quando (e se) voltar, o pequeno promete ter uma vida agitada.
Para fechar mais uma crítica, uma reflexão apenas para o suposto guardião do futuro da raça cylon. O percurso de Baltar (James Callis) nesta série é um dos mais interessantes, e a última reviravolta nas suas crenças é intrigante. Baltar sempre foi a personagem que melhor se adaptou às diversas situações, que previa as mudanças (com a ajuda da sua Head Six), conseguindo assim sair ileso de todos os dilemas em que se enfiou. Talvez por isso, a sua nova crença – ou falta dela – não soe tão inacreditável. Este é homem que começou a série a negar uma entidade suprema (“There is no God or gods, singular or plural. There are no large invisible men (or women for that matter) taking a personal interest in the fortunes of Gaius Baltar.”), que passou a acreditar no deus único dos cylons (“I repent.”), que nele encontrou o seu destino (“I am an instrument of God.”), que o transformou à sua própria imagem e nele encontrou a sua absolvição (“God made us all perfect.”), mas que agora, face à destruição encontrada na Terra, se vê a braços com uma crise de fé. Apenas temos, neste episódio, um pequeno vislumbre da revolta que sente contra um deus que considera, agora, injusto, mas o pouco que vimos deixa-nos com a certeza que a sua personagem irá ser ainda determinante para o final desta história.
Até ao próximo episódio, “The Oath”, muito há ainda por digerir. Até lá, para passar o tempo, fiquem, como eu, a roer-se de inveja por não poderem estar presentes neste espectáculo, que promete dar uma nova dimensão à maravilhosa banda sonora desta que é, para mim, uma das melhores séries de sempre.
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[starrater]